O Impossível
- Gabriella Egavalle
- 1 de jul. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: há 2 dias
Ninguém no vilarejo de Makuyu estava interessado em provar leite de arroz. Nem mesmo as outras professoras, que me haviam escutado papagaiar sobre o assunto a semana inteira e me tinham encorajado a empreitada; não sem alguma ironia, depois vi. Eu passara a noite ordenhando os grãos num par de meias-calças compradas no mercado (e lavadas), eu os dormira, e pela manhã até as crianças recusaram um único gole. Eu devia ter previsto? Leite de vaca fortifica e não tem gosto de vaca. Leite de arroz tem gosto de arroz, e faz o que? Nada. Eu gosto de Nada. Mas Nada não é para todo mundo. E nem o meu investimento era contra a lactose; eu estava tentando inventar maneira de fazer dinheiro dentro do vilarejo. Estava? Era mais um experimento lúdico, um transe poético que tomou a forma dum ato. Se funcionasse, funcionava. Não funcionou. Mas Nada o fez. E eu estava feliz.
Só quando cheguei em Londres foi que comecei a pensar em leite de ave de rapina, porque tive a ideia de me tornar jornalista. Pensei: Ega! olhos de águia. Mas de cima da minha nuvem, eu ia dar notícia de quê? que a mim só me interessava o leite da palavra, que é precisamente o seu negativo: o impossível. Escolhi, então, uma ave que caminha mais do que voa, pra ficar mais perto das pessoas, e fiz dela a minha secretária: a Ave Secretária. Agora, voltimeia, cronicamente, quase como um espasmo, nós reportamos algo que se passa entre este mundo e o outro.
Por exemplo:
Outro dia eu estava sentada na grama do Altab Ali Park e veio ciscar ao meu lado um Estarlim. E eu pensei, observando o céu noturno revelado pelas suas penas em pleno dia: este aí deve ter bom leite. E admirei sua roupagem estrelada, nossa galáxia brilhando em roxo e verde. Estrelas são de todas-cores, apesar da nossa incapacidade de ver. Então ouvi a grama craquelar sob as patas do Estarlim. Um gole de informação secreta: aves só pesam o suficiente para fazer craquelar a grama se estiverem carregando leite. Mas peso não é a medida correta. Para ser mais precisa: gravidade — refletindo a falta interna de. É de maneira similar com a qual animais humanos fazem arte que aves produzem leite. Ambos os produtos são, naturalmente, sobrenaturais.
Dessa maneira, qualquer coisa neste mundo pode servir como ponte para outro. E para ser mais precisa, ponte não é a construção correta. Um deque — que é uma ponte cortada na metade. Dum deque uma pessoa salta, ou observa, ou é coletada por um barco; dependendo do seu estado de espírito. Mas hoje um carro passou pela galeria e deixou-me as chaves da minha nova casa. Dum deque então vejo uma casa chamada Arvoredo, situada na galáxia chamada Via Láctea. Uma casa pode servir como um ovo. Mas não me faça começar a falar de ovos...
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