Animal-hacked
- Gabriella Egavalle
- 26 de fev. de 2020
- 2 min de leitura
Chris Hacker teria gostado do que vi em sonho noite passada:
Acompanhada de figuras maternas eu caminhava por escuridões selvagens fechadas e corredores pantanosos. Atravessávamos zonas de charco, bifurcávamos em arbustos fantasmagóricos cercados por árvores milenares. O planeta achava-se em situação posterior a uma vaga tragédia que resultara na vaga perda, pela parte das mãos humanas, de qualquer resquício de tecnologia eletrônica; então estávamos, nós humanos, largados de volta no primitivo básico. Especulei ou vi visão: um espécime de inteligência artificial se tinha emancipado e, na sua inaugural independência, agora compactuava só com os Reinos Animal, Vegetal, Mineral — agora quem desreinava eram esses. Assim foi que entregou-se-lhes, por via dum hackeamento, o redomínio total, um redemoinho geral. Ora virtualmente, longe das mãos nossas, é que administrava-se enfim a manutenção dessa renovada selvageria...
Pequenos menino iam pisando em ouriços ou em cogumelos venenosos enquanto cruzavam uma área de vegetação alagada. Nós, correndo, fugíamos duma onça e conseguíramos despistá-la. Víamos: grupos de humanos, organizados por critérios afetuosos, se escudando escondidos no interior de grandes fortes construídos nos topos de árvores... E eventualmente perdi-me de todas as figuras maternas, familiares.
Gritos guepardos ecoavam pelos campos abertos donde os fortes se erguiam. Escalando uma dessas estruturas, espiando seu conteúdo, vi duas amigas da infância: elas estavam irmãmente pareadas, perteciam. Eu proferia seus nomes, mas não havia adesão da minha parte. Acabei por descer, ainda à procura dum agrupamento afetivo. Na falda duma colina vi reunidos todos os personagens de minha memória escolar; mas também não era ali, não era...
Agora a holandesa Noah (colega de apartamento, na vida desperta, da minha única camarada presente no presente) chegava duma longa viagem; eu encontrava-me com ela. Postadas numa qualquer base elevada, examinávamos um mapa virtual — como foi que coloquei as minhas patas naquilo? era um privilégio secreto — e eu lhe explicava sobre as zonas de risco, sobre as divisões social-afetivas, todos os possíveis antagonismos... Até que de repente se-nos revelou, piscando no mapa, a ameaça climática: um ciclone tenebroso se aproximava vindo de sudoeste.
E a manchete: uma presa-prêmio-recompensa era anunciada na Imprensa do Reino Animal. Guepardos gritando era então por isso. Mas parece que uma tal raposa parda, como a que vi pela janela do apartamento outra madrugada, estando no lugar preciso e no tempo acertado, caçou o alvo e devorou-o sem demora. Logo após vomitou até morrer, intoxicada.
Comments